O movimento de bandas autorais e jornais alternativos que projetou Brusque no cenário nacional entre as décadas de 1970 e 1980 é retratado no livro A Capital do Rock, de autoria do jornalista Sharlon Schmidt Rensi, lançado neste mês e viabilizado por meio da Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) com o patrocínio da Havan e dos Supermercados Archer. O exemplar, no valor de R$ 29,90, pode ser adquirido no site acapitaldorock.com.br, em bancas e livrarias.
É o primeiro livro que resgata o fenômeno das bandas brusquenses dos anos 1980 e contextualiza a influência dos jornais alternativos Cogumelo Atômico (1974-1977) e Contracorrente (1986-1989) na formação da cena efervescente que teve repercussão nacional. Em 1988, a Folha de S.Paulo, maior jornal do país na época, chegou a classificar Brusque como “templo do rock”.
Escrita no formato de livro-reportagem, a obra inédita reúne dezenas de fontes em mais de 80 páginas. Resultado de intensa apuração jornalística — desde entrevistas que somam horas de gravação a conversas informais — e pesquisa histórica — com vasto material da época utilizado como fonte documental —, a publicação revela trechos inéditos da história do rock e da contracultura brasileira.
“A grande sacada do livro é articular as bandas e os jornais como um movimento interligado”, afirma Sharlon. “Meu trabalho de pesquisa mostra que a ‘capital do rock’ surge muito antes da explosão de bandas locais. É um processo de transformação cultural forjado nos anos 1970 com o Cogumelo Atômico e que deslancha nos anos 1980 com o Contracorrente”, explica o jornalista.
Os jornais alternativos estavam à frente dos eventos de rock em Brusque, como o City Sound, nos anos 1970, e os festivais no Sesc, na Fideb e no bar Amarelo Vinte, nos anos 1980, que promoveram shows com as principais bandas do movimento underground brasileiro, como Cólera, Devotos de Nossa Senhora Aparecida e Garotos Podres. Essa atmosfera inspirou o surgimento de um grande número de bandas autorais na cidade.
Segundo o autor da obra, nenhuma banda brusquense estourou em nível nacional, mas o movimento como um todo teve grande repercussão: “É uma história muito conhecida e, ao mesmo tempo, pouco aprofundada. Até hoje, por exemplo, quase ninguém sabe a origem do rótulo ‘capital do rock’”.
A ilustração de capa inspirada no músico paulista Redson Pozzi dá uma pista. Fundador do Cólera, uma das bandas precursoras do punk rock no Brasil, ele era um dos principais entusiastas da cena brusquense e, em 1988, batizou Brusque como “capital do rock”. O livro traz um depoimento sobre Redson do cantor Nasi, vocalista do Ira!, que era amigo do eterno líder do Cólera, morto em 2011.
“Gravei uma entrevista com o Nasi antes de um show em Brusque e, ao final, comentei sobre a importância do Redson no movimento brusquense. O Nasi ficou surpreso positivamente e deu um depoimento sobre ele que achei necessário incluir no livro. Dá uma dimensão da representatividade do Redson no rock nacional, para além do underground”, detalha o autor.
Com o apoio de Redson e do jornal Contracorrente, três bandas locais — Bandeira Federal, DaBesta e Shit — tiveram projeção nacional, entre 1988 e 1989, com apresentações no programa Boca Livre, apresentado por Kid Vinil, na TV Cultura.
Outro personagem de peso entrevistado para o livro é o ex-VJ da MTV Brasil e ex-apresentador da TV Globo, Luiz Thunderbird. Ele se apresentou no bar Amarelo Vinte com a banda Devotos de Nossa Senhora Aparecida em 1988, ano do auge da cena brusquense.
Contribuição histórica
A Capital do Rock é uma versão ampliada do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que Sharlon apresentou em 2015 para conquistar o diploma de graduação em Jornalismo pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali). O jornalista conta que durante seu projeto de pesquisa praticamente não havia referência bibliográfica sobre a cena brusquense. “Por isso, acredito que exerci também a função de historiador neste livro-reportagem”.
“Após o meu TCC, temas centrais da obra — os jornais alternativos e as bandas autorais — foram objetos de outras iniciativas, mas nenhuma delas articulou estes dois eixos como um movimento interligado. É o maior legado do meu trabalho”, enfatiza Sharlon.
Além de redimensionar a influência dos jornais alternativos no movimento, o livro-reportagem também destaca a relevância histórica dos periódicos que eram editados em Brusque e circulavam em outros estados, principalmente em São Paulo.
A publicação narra, por exemplo, como o Cogumelo Atômico chegou às mãos de personalidades brasileiras, como Oscar Niemeyer, e do exterior, como o químico quântico Linus Pauling, vencedor de dois prêmios Nobel. Já nos anos 1980, o livro dá uma amostra do alcance do Contracorrente ao revelar uma citação ao jornal na seção de agradecimentos de um disco do Sepultura, banda brasileira com maior repercussão internacional até hoje.
A obra também relembra fatos inusitados, como o dia em que João Gordo teve sua jaqueta roubada antes de um show caótico dos Ratos de Porão nos arredores do Pavilhão da Fenarreco, no início dos anos 1990.
Assina o prefácio de A Capital do Rock o jornalista, psicanalista e professor universitário José Isaías Venera. Doutor em Ciência da Linguagem pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UniSul), ele classifica o livro-reportagem como “fascinante e necessário”.
“A escrita lapidada, a capacidade de fazer a costura literária com a história do rock, da contracultura e da ideia de juventude inventada no pós-Segunda Guerra Mundial são motivos suficientes para fazer deste trabalho do jornalista Sharlon Schmidt Rensi uma leitura necessária”, ressalta Venera.
Sobre o autor
A Capital do Rock é o primeiro livro do jornalista e empresário Sharlon Schmidt Rensi. Natural de Brusque, ele atua há mais de 15 anos na mídia regional de Santa Catarina. Acumula experiências como repórter, designer gráfico, editor de jornais e revistas e assessor de imprensa na região do Vale do Itajaí, com passagens por instituições de grande porte, como a Unimed Blumenau.